Folha de S. Paulo, February 9, 2023

From The Elvis Costello Wiki
Jump to navigationJump to search
... Bibliography ...
727677787980818283
848586878889909192
939495969798990001
020304050607080910
111213141516171819
202122232425 26 27 28


Folha de S. Paulo

Brazil publications

Newspapers

Magazines

Online publications


South America publications

-

Burt Bacharach fez 'emoção honesta' com Elvis Costello em CD; releia texto da Folha


translate
   Folha de S. Paulo

Compositor morto aos 94 anos foi o ápice da elegância na música e gravou o álbum Painted from Memory com o britânico

Morto aos 94 anos, nesta quinta-feira (9), o compositor americano Burt Bacharach firmou uma parceria inusitada, em 1998, com o músico britânico Elvis Costello. Juntos, eles gravaram o álbum "Painted from Memory", que ajudou a reerguer a carreira do primeiro, que estava distante das novas gerações à época.

Em outubro daquele ano, o jornalista Matinas Suzuki Jr. analisou não apenas o disco nas páginas da Folha, mas também teceu um histórico do trabalho de Bacharach. Releia, abaixo, o texto. ? Se a música fosse um guarda-roupa, Burt Bacharach seria aquele lenço no bolso do peito do paletó que parece querer dizer: "Isto-aqui-é-a-definitiva-piscadela-da-elegância".

Enquanto ele conseguia seus maiores sucessos (chegou a ter 25 músicas entre as dez mais executadas nos EUA, nos anos 60 e começo dos 70), as mulheres estavam arrancando o sutiã em plena rua e o par jeans-e-camiseta se firmava, definitivamente, como a indumentária do final do século 20.

Perto do fuzuê das guitarras e do rock, os violinos, os corinhos vocais e o tom de "sentimentalismo em seda maior" das músicas de Bacharach soavam irremediavelmente boko-mokos, para usar, com todos os Ks, uma expressão vencida.

Não parece, pois, intrigante, que alguém que tenha sido eleito o campeão das músicas para serem ouvidas de blazer de botões dourados, aos 70 anos, saia da toca, onde hibernou por um tempão, para compor canções justamente com um dos cães danados do punk, Elvis Costello, 24 anos mais novo do que ele? Qual dos dois teria errado no estilo?

Bem, vamos corrigir algumas coisinhas.

OK, Burt Bacharach, ao lado do parceiro de quase todos os seus sucessos, o letrista Hal David, é autor de melosidades fraternais insuportáveis como "What the World Needs Now Is Love". Mas John Lennon também cometeu as deles, não cometeu? (Os Beatles, por sinal, no auge, gravaram uma composição de BB, "Baby It's You").

Além disso, há informações interessantes na biografia de Burt Bacharach. Por exemplo: ele estudou com o compositor modernista francês Darius Milhaud, autor do famoso "Le Boeuf sur le Toit" e do "Saudades do Brazil" (ele viveu aqui). Bacharach foi o chefe da orquestra de Marlene Dietrich, diga-se de passagem uma cantora admirável na maneira como quase falava, com muita dramaticidade, as músicas.

Mas bastaria uma canção, ou melhor, apenas uma gravação para mostrar que a dupla Bacharach-David, se não era nenhuma irmãos Gershwin, tinha muito talento estocado para criar um cânone de toda uma geração: a interpretação que a vulcão do soul Aretha Franklin realizou de "I Say a Little Pray for You".

E "One Less Bell to Answer", com o grupo vocal Fifth Dimension, "Raindrops Keep Fallin' on My Head", com B.J. Thomas (trilha do filme "Butch Cassidy and the Sundace Kid", que rendeu a Bacharach dois Oscars), e "This Guy's in Love with You", com Herp Alpert, estão no repertório das músicas que ninguém tem razões suficientes para querer esquecer.

De certa maneira, a sensação de formalidade acetinada e cafona que Burt Bacharach passava vinha muito mais dos arranjos para orquestra e coro do que propriamente de suas melodias e harmonias, as quais, um pouco como a bossa nova, continham sofisticações herdadas da música erudita apresentadas em estilo "cool", intimista (a ótima gravação que Sérgio Mendes e o Brazil 66 fizeram de "The Look of Love", de alguma maneira, referendou essa pequenininha afinidade de Bacharach com uma certa bossa nova).

Que o destino de sua principal intérprete, Dionne Warwick (descoberta por ele entre as vocalistas do grupo Drifters), tenha sido também cafona, como suas aparições em comerciais da TV brasileira confirmam, é uma injustiça da posteridade com pelo menos um dos sussurros mais marcantes do trio Burt-Hal-Dionne: a bela canção "Alfie", que revela um dos traços importantes do letrista David, o de escrever versos de amor sob o ponto de vista feminino. A mulher que faz uma pequena prece para o seu amor enquanto se maquia, penteia o cabelo e escolhe o vestido, uma de suas letras, é um grande achado.

Na verdade, nas sombras dessa sensibilidade feminina de David e do mundo em permanente gala da música de Bacharach, reina a experiência dura e melancólica do vazio, da ausência, da impossibilidade -enfim, desse tipo de miséria que faz você cantarolar junto, como já disse alguém-, cujo principal exemplo é "A House Is Not a Home", certamente a melhor criatura da dupla.

Todo mundo achava que Bacharach havia pendurado as raquetes (ele tem o ar constante de quem vai disputar uma partida de tênis daqui a dez minutos, embora seu esporte favorito seja apostar em cavalos). Aqui e ali, nos últimos anos, BB foi reaparecendo até chegar a ser agora "a última palavra em cool (bacana, legal)", como escreveu, há poucas semanas, um cronista do "The New York Times".

O toque para o grande público do renascimento de Bacharach foi a cena na qual todos na mesa de um restaurante cantam "I Say a Little Pray for You", no filme "O Casamento do Meu Melhor Amigo". Ao mesmo tempo, o repertório de Bacharach voltou a ser interpretado por grupos como Oasis, REM e Pizzicato Five.

A banda pop eletrônica Erasure fez uma versão de "Magic Moments", gravada originalmente por, adivinhe quem?, Perry Como. Em abril deste ano, caras novas como Ben Folds e Sheryl Crow deram canja em um tributo a BB. Em São Paulo, a cantora Cláudia Lima, com direção do músico George Freire, vem fazendo deliciosos "pockets concerts" com o repertório de Bacharach.

Todo esse movimento terá seu ápice no próximo dia 3, quando sai, nos EUA, pela Rhino Records, uma caixa com três CDs coletando quase todas as gravações originais das suas canções. Anuncia-se também o relançamento do disco de Stan Getz, "What the World Needs Now", com as composições de BB.

Se a música fosse um guarda-roupa, Elvis Costello seria uma cintilante e perdida gravata de época, provavelmente comprada em um brechó. Se estivessem em um circo, BB seria o mágico e EC, o triste palhaço. Por alguma conspiração poderosa, ambos agora estão no mesmo picadeiro encantado: além do CD "Painted from Memory", com 12 canções que a dupla incomum compôs, eles estão fazendo uma pequena turnê juntos.

Na verdade, Costello é um dos principais responsáveis pela nova voga Bacharach. Já em 84, com Nick Lowe, ele havia gravado "Baby It's You". Em 95, BB e EC, por meio de faxes e recados em secretárias eletrônicas, compuseram a música "God Give Me Strength" -última faixa do CD "Painted from Memory"- para o filme "Grace of My Heart". A partir daí, os dois passaram 14 meses compondo e gravando o CD, que está sendo considerado um dos itens da temporada.

Para quem ouviu Elvis Costello suspirar melancolia com Chet Baker em "Almost Blue", o trabalho com Bacharach não chega a ser uma surpresa. Sua voz escandescendo a aspereza outrora punk e as suas letras, mais discursivas do que as de Hal David, introduziram um novo e interessante elemento na música de Bacharach (o qual, sim, está lá, integral, no disco, como se percebe nas baquetas marcando o tempo mais forte na caixa da bateria e nas frases suaves do trumpete na abertura de "Toledo", uma das faixas mais bacharachianas do disco; impossível não se lembrar de "Do You Know the Way to San Jose?").

Os críticos observam que a extensão melódica das composições de BB são maiores do que as possibilidades vocais de EC e, aí, nas dificuldades de Costello em acompanhar a melodia de Bacharach, estariam os pontos fracos de "Painted from Memory". Penso, ao contrário, que, zás, aí está realmente a alma comum dos dois estilos diferentes: algumas manchas de bourbon no "diner jacket" de Bacharach, um pouco de roupa suja no nosso guarda-roupa de gala...

Frank DeCaro, encerrando seu artigo no New York Times: "Se esse disco vender bem, isso talvez signifique que a madrinha da tropa sinaliza não apenas o retorno de Bacharach, mas também o da emoção honesta. Se não vender bem, parafraseando um de seus sucessos, eu simplesmente não saberei o que fazer comigo mesmo".


Tags:  Burt BacharachPainted From MemoryHal DavidJohn LennonThe BeatlesBaby It's YouGeorge GershwinAretha FranklinI Say A Little PrayerThe Look Of LoveDionne WarwickAlfieR.E.M.Ben FoldsSheryl CrowNick LoweGod Give Me StrengthGrace Of My HeartChet BakerAlmost BlueToledoNew York TimesFrank DeCaro

-

Folha de S. Paulo, February 9, 2023


Folha de S. Paulo reports on the death of Burt Bacharach and reprints a 1998 article in which Matinas Suzuki Jr. profiles Burt and reviews Painted From Memory.


-



Back to top

External links