Blitz (Portugal), March 18, 1986: Difference between revisions
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Costello tinha no activo quase uma dúzia de discos, entre os quais preciosidades como «This Year's Model» ou o belo «Imperial Bedroom» ou ainda «Almost Blue». Mas este «King Of America» é outra coisa, algo de diferente, nalguns momentos (frequentes) quase único, inédito. Numa altura em que parecia assente que nada mais restava que copiar outras coisas já feitas e que até mesmo os mais ousados (como os Jesus And Mary Chain) se limita. vam a fazer uma versão moderna de glórias falecidas, este senhor — lã nem sei por qual nome o hei-de chamar — aparece com uma coisa que não estava ouvida. | Costello tinha no activo quase uma dúzia de discos, entre os quais preciosidades como «This Year's Model» ou o belo «Imperial Bedroom» ou ainda «Almost Blue». Mas este «King Of America» é outra coisa, algo de diferente, nalguns momentos (frequentes) quase único, inédito. Numa altura em que parecia assente que nada mais restava que copiar outras coisas já feitas e que até mesmo os mais ousados (como os Jesus And Mary Chain) se limita. vam a fazer uma versão moderna de glórias falecidas, este senhor — lã nem sei por qual nome o hei-de chamar — aparece com uma coisa que não estava ouvida. | ||
Aparelhos auditivos pouco sensíveis e maltratados pelos subprodutos mais vulgares do | Aparelhos auditivos pouco sensíveis e maltratados pelos subprodutos mais vulgares do mercado discográfico poderão achar. numa primeira audição, que «King Of America» é um registo apagado, monótono e nada entusiasmaste. Mas se conseguirem limpar a cabeça dos sons feitos e escutarem outra vez as coisas, compreenderão como é útil, para bem da humanidade, que surjam mais discos destes em vez de mais discos de, por exemplo, os Dire Straits ou, noutro género, os U2. A diferença entre este disco e os outros é a que vai das coisas arranjadinhas para as coisas arranjadas, a que vai das coisas bonitinhas para as coisas bonitas, a que vai das coisas simpáticas para as coisas rudes, mas perfeitas. Costello e o seu alter-ego MacManus atingiram aquele estado de ordenamento perfeito e inteiramente simples que só à encontrado na natureza e nos que nela se inspirara. | ||
Do ponto de vista da execução instrumental, este disco é um autêntico manual e, para o fazer, o autor juntou um bom número dos mais notáveis instrumentistas americanos que nascoram a tocar no surgimento do rock e que to. caram ao lado de nomes como Rick Nelson e do próprio Elvis Costello. Este notável grupo de músicos recebeu aqui a designaçao de Confederates. Não há nada de espampanante, apenas sóbria e eficaz execução — mas cheia de sentimento e de um palpável vigor. Os Attractions, pelo seu lado, surgem apenas num tema, já no segundo lado. | |||
Neste reino há de tudo um pouco | |||
Ao longo das faixas deste LP (que lá fora foi editado em «compact-disc» e que para os possuidores de aparelhagem compatível é inegavelmente uma compra indispensavel), aborda-se de tudo um pouco, desde o folk irlandês até aos blues, passando pelo country, a soul, o cajun e aqueles outros sons da América tão atraentes como o zydeco e o tex mex. Mas. não façam falsas ideias — este nDó é um disco folk, longe disso. Vai Ia saquear ideias, mas com o fito de fazer o definitivo disco pop, | |||
Ao contrário do que acontecia em discos anteriores no tocante ás palavras cantadas, Costello deixou de lado o tom elaborado, e às vezes mesmo barroco, que usou em tempos e é agora tão frontal e directo que por vezes surpreende. Ele diz o que quer de forma simples, perceptível e crua. | |||
O LP tem dois rockzinhos deliciosos, nas segundas faixas de ambas as faces, que sao «Lovable. e «Eisenhower Blues», uma declaraçao de principio sobre os males de hoje com raízes no passado. «Lovables é escrito de parceria com Cait O'Riordan dos Pogues. O LP começa de forma espampanante com «Brilliant Mistake», um tema que estabelece logo o tom geral que será usado dal para a frente e que faia sobre a América referindo a ideia de que nunca um pais fundado com base em tão elevados princípios se deu ao trabalho de não os cumprir. «Our Little Angel» surge depois como uma história de engate. Vem a seguir a única can• çâo que nao é de Costello, urna versão do velho «Don't Let Me Be Misunderstood», dos Animals, numa interpretação irresistivel. «Glitter Gulch• conta as aventuras de vida numa sociedade feita de coisas para deitar fora e »Indoor Fireworks» e o clímax contido nas espiras de vinil — é a história viva de uma paixão. É talvez a mais pessoal — e também a mais triste —canção de todo o álbum. •Utile Patacos», com belas vocalizações, bandolim pelo meio a evocar a beleza das velhas construções sólidas e a condenar a sua destruição por edifícios modera naços onde as pessoas não se podem sentir bem. É uma canção que vai ser pomo de polêmica — Costeiro larga aquela pose habitual de proteger os trabalhadores nas baladas e critica a brutalidade, a incultura, a violência e a estupidez dos que, podendo fugir a tudo isso, se mantêm nos mesmos círculos. O lado 1 é encerrado com «I'll Wear It Proudly», quase um hino, um poema épico de amor e de confissão. É um dos momentos altos do disco. | |||
O final da aventura | |||
No lado 2 o inicio é «American Without Tears», peça gémea de •Brilliant Mistake» que, como o nome indica, é um elogio aos americanos e sobretudo uma critica aos que reduzem os Estados Unidos a um presidente saldo de filmes da série B e a uma política externa perigosa Em «Poisoned Rose» aparece o baixista de jazz Ray Brown e o tom é o dos blues. É mais urna canção de amor. | |||
Seguem-se «The Big Light» e «Jack Of All Paradas», a primeira canção sobro noitadas e copos e a segunda uma canção de amor. .Suit Of The Lights» é a única canção do LP em que tocam os Attractions. O álbum termina com •Sieep Of The Just., uma coisa que parece a intercepção dos Pogues com Madonna e que se destina a louvar os que têm princípios morais superiores. | |||
Quase uma hora depois de se ter começado a tocar chega-se ao fim deste LP com a certeza de que se está perante um daqueles discos destinado a sor companhia constante_ Num tempo de futilidades, Costelo-MacManus fala de coisas sérias, louva os bons princípios, levanta-se em defesa dos Justos e critica os que usam a pobreza como argumento para a prática de actos brutais. É uma posição arriscada mas a verdade é que este disco è um risco do princípio ao fim. Um risco que valeu a pena correr. | |||
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