Lisbon Público, March 29, 2002

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ELVIS COSTELLO: o rock, depois dos amigos


 Miguel Francisco Cadete

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"When I Was Cruel" é o primeiro álbum a solo de Elvis Costello em sete anos, depois de ter espraiado o seu talento por colaborações várias. Entrevista.

Declan Patrick McManus, mais conhecido como Elvis Costello - Elvis da parte de Presley; Costello do nome de solteira da mãe - tornou-se um dos mais prestigiados escritores de canções dos últimos 25 anos. A sua arte foi reconhecida por nomes tão distintos como Paul McCartney, Burt Bacharach, Chieftains e Tricky e chegou mesmo a trabalhar e compôr com alguns deles. Ultimamente, e muito à semelhança do que tem acontecido com o seu contemporâneo Joe Jackson, tem procurado a legitimação dos seus ofícios junto de nomes grados da música erudita (com outro sucesso, diga-se de passagem), como Anne Sophie von Otter, tendo igualmente trabalhado com o Brodsky Quartet. Perdeu-se tanto em colaborações várias que há sete anos não edita um álbum de originais em nome próprio, o que volta a acontecer por estes dias, quando se apresta para chegar às lojas "When I Was Cruel", a mais recente colecção de canções saída da sua pena.A sua carreira já vai longa e sendo impossível de resumir em poucas linhas, não pode deixar de incluir citações a canções como "Alison", "Shipbuilding", "Everyday I write the book", "This town..." ou o superlativo e "pornográfico" nas suas próprias palavras, "I want you". O artista esteve por cá enquanto jovem, em concertos em Lisboa e no Porto que se seguiram à edição, em 1979, do seu terceiro álbum "Armed Forces, ainda nos alvores da new wave e quando o próprio Costello era um artista "difícil", intratável e disposto a exteriorizar os malefícios da estricnina. Por esses dias disse a Nick Kent, jornalista do "NME": "As duas únicas coisas que me importam, as únicas motivações por detrás da escrita destas canções, são vingança e culpa. Essas são as emoções que conheço e com as quais me posso relacionar. Amor? Não sei o que quer dizer, na verdade, e não existe nas minhas canções." Mentira, pura e dura, como se veio a comprovar mais tarde. Para Elvis Costello, no entanto, esses foram os anos que serviram, sobretudo, para forjar uma imagem de artista em ascensão. É ele que conta, a partir de Londres, o desatino por que passava: "Nessa altura andava numa enorme excitação e a única coisa em que pensava era pôr cá fora o meu primeiro disco. Queria agarrar a oportunidade de publicar a minha música para que a pudesse tocar ao vivo. De uma forma geral, é muito difícil comparar essa época com o que se passa hoje, porque é tudo muito diferente. Algumas coisas são melhores, outras são piores. Mas, na verdade, prefiro nem pensar nos dias do punk rock e da new wave, até porque se diziam coisas que tinham valor como provocação, o que não quer dizer que fossem, necessariamente, verdadeiras".Ainda assim, Costello tem presente na memória os seus dois únicos concertos em Portugal, que visitou numa época em que "andava muito nervoso e excitado", e onde a indústria dos espectáculos era pouco mais que virgem: "Lembro-me perfeitamente. Os dois espectáculos foram caóticos porque foram vendidos mais bilhetes do que a lotação das salas. O ambiente era muito, muito tenso". A digressão deste ano já está definida e, mais uma vez, Portugal não faz parte do roteiro. "Já passou muito tempo desde que estive aí mas a verdade é que nunca mais fui convidado para tocar em Portugal. O motivo por que nunca mais toquei aí é apenas um: não ter sido contratado para o fazer. Infelizmente, nunca mais visitei Portugal mas isso é uma coisa que está completamente fora do meu controlo. Muito provavelmente, os meus discos estão, tecnicamente, disponíveis nas vossas lojas mas não devem ser devidamente promovidos. Por isso, não me admira nada que os promotores não queiram correr o risco de me contratar. E não há nada que eu possa fazer porque tudo isso resulta da combinação de vários interesses, que passam essencialmente pelo trabalho de promoção da companhia discográfica. Para mais, sei que há muita música portuguesa."O afastamento de Portugal não faz de Costello um desconhecedor do que se passa relativamente à música portuguesa. Ainda que de uma forma vaga, é capaz de identificar alguns artistas e géneros, além de mostrar um apetite voraz por toda a música produzida no universo: "Conheço obviamente fado, mas não estou a par da música pop que é feita em Portugal. Bem, conheço alguns nomes que adaptaram a música tradicional portuguesa à música pop. Lembro-me de uma Cristina Branco porque me ofereceram o disco dela, que tem uma belíssima fotografia na capa. Mas a artista portuguesa que eu prefiro é a Dulce Pontes. Ela é notável e tem uma voz especial. Não gosto tanto da produção do seu último disco mas a voz dela é verdadeiramente espantosa. Na verdade, ela gravou o disco num estúdio de que eu sou co-proprietário e sempre me pareceu que as canções eram fantásticas, apesar da produção algo descabida. Encontrámo-nos mais tarde num concerto em Barcelona, em que ambos actuámos, e ela cantou apenas acompanhada de um piano. Não percebo porque razão não fez o mesmo no disco, porque ela não precisa de mais ninguém. É também por isso que eu quero ir a Portugal, porque devem existir muitos mais artistas que eu devo conhecer e que desconheço completamente."Além de um excelente compositor de canções, Elvis Costello revela-se ao longo da entrevista um fã de música com um conhecimento quase enciclopédico de tudo o que vai sendo feito nos quatro cantos do mundo. Notável para um inglês, apesar de Costello já ter dado mostras da sua sabedoria melómana quando produziu uma lista dos seus 500 melhores álbuns de sempre para a "Vanity Fair". Para os listófilos militantes, avisa-se que o rol vai de "Abba Gold" dos Abba até "Ventu" de Zamballarana, passando por Neil Young, Miles Davis, Lucinda Williams, Tom Waits, Augustus Pablo, Dmitry Shostackovitch, Sugarhill Gang, Eminem ou Mozart. Recorda-se de Amália Rodrigues - "tenho muitos discos dela" -, e compara-a com a egípcia Omme Koulsoum: "Ela tem a mesma importância para a música do mundo que a Amália Rodrigues. Adoro quando se descobrem coisas como essas. Faz parte do prazer de estar vivo. Ando agora à procura do álbum da Gigi [uma cantora etíope, cujo primeiro álbum foi produzido por Bill Laswell e editado no ano passado], até porque aprecio muito a música da Etiópia. Mais do que a música da Etiópia, interessa-me a música que eles produziram lá durante os anos setenta, uma espécie de r&b, que está documentada numa série de discos intitulada 'Ethiopics'. Parece-me ser o que o James Brown faria se fosse árabe e é fantástico!"O novo álbum de Elvis Costello tem pouco a ver com James Brown. Em rigor, "When I Was Cruel" é o primeiro álbum a solo que grava desde "All This Useless Beauty" e depois de colaborações várias com Bill Frisell, Burt Bacharach e Anne Sophie von Otter. O disco foi gravado com o auxílio de três dos seus mais antigos colaboradores, Steve Nieve e Davey Faragher e Steve Thompson. Apesar de não ser James Brown, é o álbum mais roqueiro de Elvis Costello nos últimos tempos e, neste caso, o rock deve ser entendido na mesma acepção que Bob Dylan lhe deu no seu último álbum. Ou aquilo que Tom Waits vem fazendo desde "Swordfishtrombone". Alguns temas têm contornos de uma invulgar densidade, indicando decididamente ambientes cinemáticos. Chegam a fazer lembrar temas dos Portishead, o que é realçado pela utilização despreocupada de "loops" e técnicas de estúdio pouco sofisticadas mas ainda assim eficazes. As circunstâncias assim o obrigaram: "Escrevi estas canções em casa, com uma caixa de ritmos barata. Parti de uma base rítmica e, a partir daí, tentei encontrar uma forma de trabalhar com os músicos que me acompanharam nas sessões de gravação. Por isso existe uma certa espontaneidade que parte do desafio de tocar perante aquilo que a caixa de ritmos debitava. Não é, certamente, um álbum de apuro técnico no qual trabalhámos de forma muito concentrada. Erámos apenas quatro músicos, com quatro instrumentos, que se limitaram a tocar. Já fiz muitos álbuns seguindo outros processos e era muito fácil voltar a fazer um disco assim. No entanto, tentei encontrar uma nova forma que nos levasse a sermos conduzidos pelo ritmo e acho que nos correu bem. É óbvio que usámos algumas técnicas que são próprias da música de dança: processámos certos instrumentos, filtrámos muito o som da bateria, e há imensos graves neste álbum, muito mais do que em qualquer outro disco, a ponto de se aproximar de um álbum de reggae ou de um álbum de r&b moderno. Aconteceu assim porque era algo que já não fazia há muito tempo e que me ajudou a criar uma textura e uma atmosfera completamente diversa daquilo que fiz ultimamente. É verdade, há mesmo um elemento cinemático muito presente neste disco."Depois de "When I Was Cruel", o prolífero Elvis Costello tem já assente mais uma gravação com o Brodsky Quartet apesar de andar muito mais entusiasmado com a partitura para orquestra que escreveu para o ballet "A Midsummer Night's Dream", que também será editada brevemente. Recentemente, quando dos concertos de Brian Wilson em Londres, Elvis Costello foi visto na plateia não sendo de descurar uma colaboração entre os dois, como mais um troféu a juntar à colecção: "A acontecer, não sei que forma irá tomar. Ele já escreveu tantas canções bonitas, por isso não me parece que precise de qualquer ajuda para compor melodias. Não estou a ver como nos iríamos tornar complementares e, para falar sinceramente, nunca cheguei a considerar essa hipótese apesar de ser um grande admirador de Brian Wilson. Mas, que diabo, quem não gostaria?!"

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Público, March 29, 2002


Miguel Francisco Cadete reviews When I Was Cruel.


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